domingo, 4 de agosto de 2013

Família presente é o que vale na criação

Quando se fala em unidade familiar, a imagem que logo vem à cabeça é aquela propagada pela banda Titãs em um hit da década de 1980: "Família, família/ Papai, mamãe, titia..." Mas, cá entre nós, essa composição convencional — com um homem e uma mulher zelando pela prole — já não é a única forma de juntar pessoas que se amam debaixo do mesmo teto. A questão, no viés da revista SAÚDE, é a seguinte: será que as novas e boas famílias, às vezes com uniões de homossexuais ou simplesmente criação de crianças por pessoas solteiras, impactariam negativamente no bem-estar dos filhos?

A resposta é um sonoro não, segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP). Tanto que, em março deste ano, a instituição se posicionou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Antes de emitir a declaração, a entidade revisou estudos dos últimos 30 anos. Com os achados, ficou evidente que a saúde emocional da criançada não está ligada à orientação sexual dos pais, mas à qualidade da relação com eles.

O que vale, portanto, é o comprometimento de todos os familiares com o seu desenvolvimento e educação. "A criança precisa de um suporte psicológico. E isso pode ser provido por quaisquer pessoas, contanto que estejam preparadas", afirma o pediatra Benjamin Siegel, presidente do Comitê de Aspectos Psicossociais da Saúde da Criança e da Família da AAP. Mas atenção: isso depende da presença constante de pais, avós e até mesmo tios desde o início. "A família é o primeiro laço do bebê com o mundo", reforça a psicóloga Pamela Magalhães, do Núcleo de Estudos e Prática Sistêmica de Casais e Vínculos Familiares.

Até por esse motivo, a troca de afeto, de valores e de conhecimento é determinante ao desenvolvimento das funções emocionais e cognitivas. "Crianças com carência afetiva podem se tornar apáticas, apresentar dificuldades de aprendizado e ter diminuição de certas áreas cerebrais", alerta o neurologista Mauro Muszkat, coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp.

Se a massa cinzenta de adultos é abalada quando exposta a violência ou discussões, imagine o prejuízo de experiências assim para uma mente em formação? "Na infância, esse tipo de situação afeta todas as redes neuronais, provocando até perda de células nervosas", esclarece Muszkat. Ou seja, a cabeça de um garoto que vive em ambientes inseguros e pouco aconchegantes tende a não funcionar direito.

De acordo com outro relatório da AAP — este divulgado em 2012 —, a exposição excessiva a conflitos acarreta um estresse tão elevado que chega a comprometer o sistema imune da criança,
facilitando infecções oportunistas, além de patrocinar, lá na frente, males cardiovasculares e pulmonares, entre outros.


Sem falar que, se não vê nos pais uma referência firme e positiva, o rebento costuma adotar hábitos nada saudáveis. "Ele pode se tornar inseguro e correr maior risco de se envolver com drogas", exemplifica Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Aliás, quando se abordam encrencas da vida moderna, não devemos nos esquecer do divórcio. Embora seja uma questão exclusiva do casal, muitas vezes são os descendentes que carregam para si o fardo da separação. "O filho tende a se sentir impotente diante do cenário, abrindo caminho para quadros nocivos, como ansiedade, agressividade e transtornos alimentares", ressalta Pamela.

Que fique claro, ninguém está defendendo a manutenção de um matrimônioinfeliz, até porque atritos intensos e recorrentes no lar ocasionam um mal danado à garotada. Mas é fundamental que, durante a partilha, o jovem não fique no meio de disputas acaloradas. Se conduzido com calma, o divórcio até abre espaço para uma relação menos sofrida entre os pais. "Quanto menos o ex-casal se fixar no sentimento de raiva durante a separação, menos os filhos e eles próprios serão lesados", completa a psicóloga

O que aproxima pais e filhos 
Um estudo da Universidade McGill, no Canadá, avaliou 26 mil adolescentes de 11 a 15 anos e concluiu que fazer refeições em família regularmente os ajudou a se sentirem mais confiantes. Afinal, sentar-se à mesa para comer é uma oportunidade de socializar com o jovem e descobrir eventuais alterações no seu comportamento. Entretanto, não são apenas jantares ou almoços que contam. "O que importa é realizar atividades que reúnam a família com frequência e que não disputem a atenção com o celular ou a televisão", prescreve o psicólogo Frank Elgar, um dos que assinaram o trabalho.


Reservar tempo para passar com seu filho só faz bem. E garantir que esses momentos estreitem o elo entre vocês é melhor ainda, inclusive por assegurar um futuro mais confiante e saudável para a criançada. Como disse a banda Titãs naquela mesma música: "Família, família/ Vive junto todo dia/ Nunca perde essa mania".

Os tempos mudaram 
Há 50 anos, era papel quase exclusivo das mulheres cuidar do lar e das crianças. Hoje, o casal se divide mais entre esses afazeres. Que bom! Ao preparar as refeições do guri ou auxiliá-lo com as lições de casa, por exemplo, o pai ganha a chance de se aproximar ainda mais dele. E, de quebra, contribui para sua formação. Isso vale para qualquer família.


Divórcio: e as crianças? 
Busque preservá-las ao máximo. Evite discutir questões como pensão, partilha de bens e visitas perto delas. E só conte quando tiver certeza da decisão. "Ameaças trazem insegurança", atesta a psicóloga Vivien Ponzoni, terapeuta de família e casal.