À beira-mar as crianças se divertem brincam de jacaré e jogam água umas nas outras. Aí vem a sede. A barraca da praia oferece refrigerante e um copo cheio de gelo para refrescar ainda mais a bebida sob o sol. E tem ainda aquelas pedrinhas no balde de cerveja do pai a tentação é colocá-las na boca, uma delícia no calor...
Mas o vírus da hepatite A se esconde tanto na água doce quanto na salgada. Ou seja, pode estar naquelas gotas engolidas sem querer em um mergulho no mar poluído por esgotos não tratados ou no gelo feito com água de uma fonte contaminada.
Uma vez dentro do corpo, o vírus logo se instala no fígado, onde indiretamente faz alguns estragos (entenda isso naanimação). As vítimas mais freqüentes são crianças entre 5 e 9 anos talvez porque sejam velhas demais para um adulto ficar em cima o tempo inteiro e novas demais para serem tão preocupadas com higiene. A doença é mais avassaladora, porém, nos adolescentes.
A princípio não haveria motivo para preocupações. Ora, existe vacina para a hepatite A. Mas a questão é que ela não faz parte do calendário oficial de imunização determinado pelo Ministério da Saúde. Muita gente fica sem acesso, por ter de pagar. E outros, mesmo freqüentando clínicas particulares, nem sabem da sua existência. A vacina não ser incluída no rol determinado pelo governo é insensato", afirma a hepatologista Edna Strauss, professora da Universidade de São Paulo, uma das maiores defensoras dessa causa. As notificações subestimam a real ocorrência da infecção no Brasil.
A estimativa oficial, por enquanto, é a seguinte: apenas 130 casos por ano em cada 100 mil brasileiros. Mas dados preliminares e mais precisos de um levantamento realizado pelo próprio Ministério, ainda em fase de conclusão, mostram um cenário diferente. No Nordeste, por exemplo, cerca de 41% das crianças entre 5 e 9 anos já tiveram contato com o vírus. Na turma de 10 a 19 anos a incidência sobe para 56%. Nem todos ficaram doentes, mas Edna chama atenção para o restante da criançada que, sem conhecer ainda o vilão de perto, pode sucumbir a qualquer instante. No próximo banho de mar, por exemplo.
Para empunhar a bandeira em prol da inclusão da vacinaa professora Edna Strauss se sustenta principalmente nas estatísticas levantadas por dois estudos publicados noThe Journal of the American Medical Association. Em Israel a entrada do imunizante no calendário de vacinação levou a uma queda de 95% nos casos da doença. E nos Estados Unidos eles despencaram 76%.
Nos dois programas, só os bebês entre 1 e 2 anos foram vacinados, mas a incidência diminuiu em todas as faixas etárias. Por quê? Provavelmente porque as crianças são como armazenadoras do vírus depois de infectá-las, ele se multiplica e cai no ambiente pelas fezes.
E, se o imunizante é tão eficaz, por que não oficializá-lo? Há critérios de prioridade que incluem aspectos como mortalidade, justifica o infectologista Ricardo Marins, coordenador geral de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. "Embora a hepatite A tenha alta prevalência, não há um grande número de casos fatais", afirma, reconhecendo que o assunto merece uma análise mais aprofundada.
Cinco por cento dos episódios evoluem para uma hepatite fulminante, que mata, rebate o infectologista David Uip, coordenador do Núcleo de Infectologia do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A causa seria uma hiper-reação dos anticorpos que atacam o fígado infectado, explica Edna. O órgão vai à bancarrota e, para salvar a vida, só mesmo um transplante.
A ameaça não está só no litoral. Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, 53% dos brasileiros não contam com saneamento básico. Só é um engano acreditar que a ameaça é maior para essa gente. As pessoas que vivem em condições precárias tendem a entrar em contato com o vírus desde a mais tenra idade e logo desenvolvem anticorpos, na maioria das vezes sem sintomas de infecção.
Já o jovem que cresceu em condições adequadas não teve a chance de adquirir essa resistência. Aí, em contato com água e alimentos contaminados, sucumbe. Quanto mais velho ele for, mais grave tende a ser o quadro, diz o pediatra Norberto Freddi, do CEDIPI, conhecida clínica de vacinação paulistana. A nós cabe cobrar dos governantes que resolvam a questão. Enquanto isso, faça o que está ao seu alcance: vacine a família inteira e curta a alta estação sem medo.
Fonte: saude.abril.com.br