Nos primeiros anos, o diagnóstico do HIV era uma sentença de morte. "Já fui o médico que mais assinou atestados de óbito em São Paulo", relembra Caio Rosenthal, que acompanhou as vítimas da doença desde o princípio da epidemia. Mas, anos de pesquisas depois, a ciência entrou em campo com o coquetel. Graças a ele, o soropositivo não veste mais o traje de carne e osso e, quando segue o tratamento à risca, pode levar uma vida próxima do normal. "O problema é que, se o paciente não adere a no mínimo 95% da terapia, sua resposta tende a cair", diz Rosenthal. Nesse caso, em geral protagonizado por pessoas financeiramente desfavorecidas, a aids prossegue como um fantasma.
É um engano rotular a aids como uma doença sob controle — erro compartilhado por uma nova geração que, embora tenha crescido nos tempos da camisinha, nutre a sensação de que o HIV é uma peste enterrada no século 20. "Ele não é um problema do passado, mas do futuro", não hesita em dizer o virologista Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Essa falha de percepção está por trás do recrudescimento da infecção entre os jovens, que não podem se dar ao luxo de pensar que o tratamento contém em definitivo o micro-organismo. "As terapias nem sempre têm o efeito esperado e, com o tempo, o vírus é capaz de apresentar resistência a elas", lembra Zanotto.
O perigo ronda também quem atravessa a sexta ou a sétima década de vida. A popularização dos remédios contra a disfunção erétil se somou à falta do hábito de vestir o preservativo. O resultado são novos casos em uma faixa etária que, a princípio, enfrentava um menor risco. Ninguém está imune e, por isso, só há um caminho seguro para escapar do vírus. "A prevenção é o carro-chefe", afirma Dirceu Greco. Mesmo quem porta o HIV precisa se precaver, sob pena de contrair outros subtipos do micro-organismo. "A recombinação dos vírus pode diminuir a eficácia das drogas", alerta Zanotto. Além do sexo seguro, especialistas defendem mais uma medida para cercar o inimigo: a inclusão de exames de HIV nos checkups anuais. O diagnóstico precoce faz a diferença não apenas ao paciente. O mundo inteiro sai ganhando.
Depois desse balanço histórico, com as perdas e os ganhos impostos pela aids, chega o momento de vasculhar por que não derrotamos o adversário microscópico. Mal o vírus se alastrava nos anos 1980, cientistas ousaram prever uma vacina em pouco tempo. A predição não se tornou realidade. "Pensava-se, na época, que bastava descobrir o vírus para desenvolver um imunizante", diz o infectologista Esper Kallas, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Na década seguinte, Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, anunciou o produto no prazo de dez anos. A profecia não se cumpriu mais uma vez. "O HIV tem um jogo negociado com o sistema imune e qualquer vacina precisa das nossas defesas para funcionar", explica Paolo Zanotto. O micro-organismo parece projetado para enganar o hospedeiro. Primeiro: ele é altamente mutante e, assim, dribla anticorpos — um imunizante tradicional feito hoje não funcionaria amanhã. Segundo: ele conta com substâncias em sua superfície que dificultam a adesão de um anticorpo. Terceiro: ele invade o núcleo de uma célula essencial ao comando imunológico, misturando seus genes aos dela e escapando dos guardas. Essas peculiaridades ajudam a entender também a dificuldade de encontrar a cura da doença, um Santo Graal nas ciências biológicas. O coquetel antirretroviral zera a carga de vírus no sangue, mas alguns deles se escondem nos chamados santuários — que ficam no cérebro, nos gânglios linfáticos... "O HIV se finge de morto e, se a terapia é abandonada, volta a se multiplicar e atacar em 15 dias", avisa Celso Granato, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo.
Enquanto torcemos por uma vacina perfeita e um remédio capaz de desentocar e matar as sobras do vírus, deparamos com a última e difícil lição. "Parece que, até agora, o homem está apertando sempre a campainha e a porta não abre. Talvez ele tenha que dar um passo para trás e pensar em outro jeito de entrar na casa", compara Zanotto. "Apesar de tudo o que descobrimos, ainda estamos amarrados pela falta de conhecimento", constata Granato. Para vencer o HIV, precisamos rever a própria forma de fazer ciência e transgredir nossas limitações. Ainda temos muito que aprender antes de derrotar essa doença, que se desprendeu de tintas apocalípticas e ensinou o ser humano a compreender melhor os fenômenos que regem a vida. Não foi o fim do mundo. Não foi o fim da vida. Não é o fim do sonho
É um engano rotular a aids como uma doença sob controle — erro compartilhado por uma nova geração que, embora tenha crescido nos tempos da camisinha, nutre a sensação de que o HIV é uma peste enterrada no século 20. "Ele não é um problema do passado, mas do futuro", não hesita em dizer o virologista Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Essa falha de percepção está por trás do recrudescimento da infecção entre os jovens, que não podem se dar ao luxo de pensar que o tratamento contém em definitivo o micro-organismo. "As terapias nem sempre têm o efeito esperado e, com o tempo, o vírus é capaz de apresentar resistência a elas", lembra Zanotto.
O perigo ronda também quem atravessa a sexta ou a sétima década de vida. A popularização dos remédios contra a disfunção erétil se somou à falta do hábito de vestir o preservativo. O resultado são novos casos em uma faixa etária que, a princípio, enfrentava um menor risco. Ninguém está imune e, por isso, só há um caminho seguro para escapar do vírus. "A prevenção é o carro-chefe", afirma Dirceu Greco. Mesmo quem porta o HIV precisa se precaver, sob pena de contrair outros subtipos do micro-organismo. "A recombinação dos vírus pode diminuir a eficácia das drogas", alerta Zanotto. Além do sexo seguro, especialistas defendem mais uma medida para cercar o inimigo: a inclusão de exames de HIV nos checkups anuais. O diagnóstico precoce faz a diferença não apenas ao paciente. O mundo inteiro sai ganhando.
Depois desse balanço histórico, com as perdas e os ganhos impostos pela aids, chega o momento de vasculhar por que não derrotamos o adversário microscópico. Mal o vírus se alastrava nos anos 1980, cientistas ousaram prever uma vacina em pouco tempo. A predição não se tornou realidade. "Pensava-se, na época, que bastava descobrir o vírus para desenvolver um imunizante", diz o infectologista Esper Kallas, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Na década seguinte, Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, anunciou o produto no prazo de dez anos. A profecia não se cumpriu mais uma vez. "O HIV tem um jogo negociado com o sistema imune e qualquer vacina precisa das nossas defesas para funcionar", explica Paolo Zanotto. O micro-organismo parece projetado para enganar o hospedeiro. Primeiro: ele é altamente mutante e, assim, dribla anticorpos — um imunizante tradicional feito hoje não funcionaria amanhã. Segundo: ele conta com substâncias em sua superfície que dificultam a adesão de um anticorpo. Terceiro: ele invade o núcleo de uma célula essencial ao comando imunológico, misturando seus genes aos dela e escapando dos guardas. Essas peculiaridades ajudam a entender também a dificuldade de encontrar a cura da doença, um Santo Graal nas ciências biológicas. O coquetel antirretroviral zera a carga de vírus no sangue, mas alguns deles se escondem nos chamados santuários — que ficam no cérebro, nos gânglios linfáticos... "O HIV se finge de morto e, se a terapia é abandonada, volta a se multiplicar e atacar em 15 dias", avisa Celso Granato, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo.
Enquanto torcemos por uma vacina perfeita e um remédio capaz de desentocar e matar as sobras do vírus, deparamos com a última e difícil lição. "Parece que, até agora, o homem está apertando sempre a campainha e a porta não abre. Talvez ele tenha que dar um passo para trás e pensar em outro jeito de entrar na casa", compara Zanotto. "Apesar de tudo o que descobrimos, ainda estamos amarrados pela falta de conhecimento", constata Granato. Para vencer o HIV, precisamos rever a própria forma de fazer ciência e transgredir nossas limitações. Ainda temos muito que aprender antes de derrotar essa doença, que se desprendeu de tintas apocalípticas e ensinou o ser humano a compreender melhor os fenômenos que regem a vida. Não foi o fim do mundo. Não foi o fim da vida. Não é o fim do sonho